Compartilhando visões de um médico humanista:
Sou médico no Rio Grande do Sul, e sou ginecologista, obstetra e homeopata. Além disso sou um ativista pela humanização do nascimento, movimento que se fundamente basicamente pela restituição do protagonismo à mulher.
Por essa razão (e por outras) eu acredito que só teremos uma real melhoria no atual cenário quando as mulheres deixarem de ser tuteladas pelo estado e assumirem o pleno protagonismo de suas vidas, seus corpos e seus destinos.
Minha posição mudou com o decorrer dos anos, e com o fato de ter vivenciado de muito perto a dor das mulheres que passam por esse momento. Quando eu tinha uns 20 anos eu empunhei bandeira na luta contra a legalização do aborto. Eu tinha uma posição radical, dogmática e fechada. Eu tinha uma séria de convicções que hoje eu já não tenho.
Mas o tempo, ah o tempo, é o supremo professor, e a dor a mais antiga mestra. E feliz daquele que consegue questionar suas mais fundamentais convicções. Como já dizia meu pai: "Não se passa um dia sequer em que não vejo cair, diante dos meus olhos e com estupendo assombro, uma a uma das minhas mais cálidas certezas".
Hoje eu ainda posso afirmar que jamais faria um aborto em uma paciente, porque não me sentiria bem com esse fato.
Minha formação humanista e (porque não dizer) espiritualista, não me permite abandonar esta postura pró-vida. Entretanto, trata-se tão somente de uma posição subjetivas, pessoal, afetiva. Se trabalho com a vida, em sua mais espetacular manifestação, não é possível me sentir bem em tirá-la. Aliás, me sinto mal até fazendo ligadura de trompas, e por isso não as faço há mais de 20 anos.
Porém, não tenho as mesmas posições fechadas de outrora.
Posso admitir quem usas esse recurso, e me nego a adjetivar as mulheres que optam pela interrupção de uma gestação. Somente poderia fazê-lo depois de "andar mil quilômetros calçando seus mocassins", como diz um antigo adágio.
Se há algum benefício da idade, então é esse. Nos tornamos mais maleáveis e condescendentes, tanto com os outros quanto conosco. Para os que dizem que esse é o primeiro passo em direção à legalização do aborto, só posso dizer que acredito que o aborto chegará ao Brasil, mais cedo ou mais tarde. Não há como fugir dessa realidade. O Brasil não será eternamente diferente dos países europeus.
O aborto não pode ser combatido pela lei; a experiência demonstra o absoluto fracasso desse tipo de estratégia. Aborto se combate com desenvolvimento social e livre acesso aos métodos contraceptivos. A cultura pode, a lei não. Tentamos até, mas só o que conseguimos é colocá-lo na ilegalidade, fazendo um asqueroso appartheid entre as que podem e pagam e as que se submetem aos mais escabrosos e violentos procedimentos.
Por enquanto vamos aguardar o amadurecimento da população para uma nova etapa, que em muitos países já é realidade há décadas.
Abraços
Ricardo Jones
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